Resenha: A ilha e o espelho – Fausto Panicacci

Idianara Lira

“A vida, às vezes, nos brinda com esses companheiros inesperados, que parecem carregar na fronte o sentido último da amizade, com um interesse franco pelo bem do amigo, e um desinteresse pleno de tudo que não servir à colocação de mais uma pedra nesse edifício das relações humanas. São eles que , com passagens não raro breves por nossas vidas, a iluminam com um lampejo de sobriedade. A luz se esgota, é verdade; o lampejo, por sua própria natureza, não perdura e é quase esquecido; mas seu efeito dura para sempre” (pág. 203)

Existem leituras que suprem apenas a função de ser um entretenimento (mas nem por isso são insignificantes), já outras como A ilha e o espelho do autor Fausto Panicacci, são um verdadeiro oásis no grande vazio existencial que permeia a alma de muitos seres humanos, que sofrem com os insistentes questionamentos, sobre a vida e suas relações humanas e passagens tão belas que renderam um post repleto de citações aqui no blog.

SINOPSE:
Mandado para Cambridge a trabalho, um brasileiro é subitamente convidado para se juntar a um eclético grupo de amigos, capitaneado por um fotógrafo correspondente de guerra com o qual guarda surpreendente semelhança física. O grupo inclui uma psicóloga frustrada, um erudito que fala por aforismos, uma executiva que toca violino e um universitário acusado de plágio.

Paralelamente aos dilemas, às aventuras e ao triângulo amoroso que consomem o protagonista, a atmosfera de sabedoria da cidade é perturbada por atos de violência noturna, cuja autoria é um mistério.

Dialogando com variados ramos da arte, A ilha e o espelho entrelaça memória, empatia, ganância e culpa diante de questões como violência contra a mulher, identidade cultural, xenofobia, meio ambiente e destino dos refugiados. Uma inspiradora história com reflexões sobre o valor da amizade, a multiplicidade de olhares e a dignidade da vida humana.

“… no espaço limitado pelas bordas da foto como pelas páginas de um livro, o fotógrafo busca compreender o que se passa dentro e fora de si, transmitindo, a partir de fragmentos, uma vivência, um devaneio, um sentimento, uma mensagem; e mesmo o autorretrato mais intimista não foge a isso,como se fora um livro de memórias: a única forma de compreender o que vai dentro de si é olhando para o outro, enxergando o melhor e o pior na alteridade do espelho, observando no outro algo de nós mesmos, reconhecendo o duplo, vendo a Beleza e a dor. ” (pág. 288)

Meu primeiro contato com a escrita de Fausto Panicacci foi através de uma leitura coletiva de sua obra O silêncio dos livros em 2019. Nasceu ali uma grande admiração pelo autor que, assim como comentei na época, realiza um trabalho com profunda dedicação e qualidade de conteúdo. É notável, através das inúmeras referências culturais e da linguagem em vários momentos rebuscada (mas sem ser enfadonha), a erudição que o acompanha e a qual ele transborda em sua obra.

A ilha e o espelho é um livro repleto de questionamentos, ensinamentos e reflexões profundas sobre temas como: violência contra a mulher, xenofobia, poluição, moralidade, dilemas profissionais, entre outros. A narrativa se desenrola através dos encontros e desencontros da personagem principal, Théo B. que, se torna parte de um grupo de amigos (cada um com personalidade e história de vida bem diferente um do outro) que se reúnem frequentemente no pub The Eagle, localizado nas imediações de Cambridge, famosa por ser uma antiga cidade universitária do Reino Unido.

Enfim, é uma leitura a ser feita com calma e muita atenção, assim como em uma terapia, pois, com certeza o leitor encontrará em suas páginas, novas formas de ver e compreender não apenas o seu paradoxo, mas também daqueles que nos cercam. Para mim foi uma leitura inesquecível de mais uma obra incomparável do genial autor Fausto Panicacci.

” Um dos grandes desafios da vida é esse paradoxo da Beleza e da dor: compreender todo aquele mal sem perder a fé no humano, acreditar em estados contraditórios, amor o próprio paradoxo, o que só é possível a quem consiga contemplar a dignidade humana – de qualquer vida humana. Só no outro podemos enxergar nosso eu insular, que vê, e é visto, com outros olhos. Somos o que nos reconhecemos no outro, o que fazemos ao outro, o que amamos no outro, o que perdoamos no outro, o que perdemos no outro. O eu e o outro: a ilha e o espelho. (pág. 289)

FAUSTO LUCIANO PANICACCI nasceu em São João da Boa Vista, interior de São Paulo. Já morou em Cambridge (Inglaterra) e fez seu doutorado em Ciências Jurídicas na Universidade do Minho (Portugal), além de ser formado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Sua paixão pela arte e literatura o levou a estudar Fotografia, História do Cinema e História da Arte. Atualmente, é promotor de Justiça e escritor com três obras publicadas, entre elas O silêncio dos livros, que alcançou a lista de mais vendidos na Espanha e no Brasil. 

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