A remissão de um pecado – Idianara Lira Navarro

Idianara Lira
 
O corpo jazia quase inerte no chão.

Enquanto o observava, ela concluiu que o tempo, apesar de poderoso, nunca fora suficiente para ajudá-la a livrar-se da obscuridade sombria que residia na sua alma atordoada, angustiada e dilacerada pelas terríveis e diversas emoções, que ela nunca conseguira exorcizar. 

Dirigiu novamente o olhar, para o homem ferido aos seus pés e pensou nos inúmeros seres humanos, que praticavam os mesmos atos abomináveis que ele cometera e o quanto tais atitudes eram capazes de exterminar, não apenas o corpo de uma pessoa, mas também a sua alma. 

Para encontrar a justiça e a paz, ela acreditava plenamente que não poderia fraquejar ou se desviar do caminho que escolhera. Porém, perturbava-lhe que segredo algum fica oculto para sempre e que nenhum passado nebuloso e terrível como o dela, poderia tornar-se um presente brilhante e menos ainda, um futuro pleno e feliz. 

As mágoas nunca se extinguiram, apenas adormeceram para depois despertarem poderosas e destrutivas, acorrentando-a no frio vértice da maldade, onde a ira, a aversão e o ódio reinavam profundamente. Entretanto, ela sentia que o momento de conceder-lhe o indulto estava próximo e para alcançar este objetivo planejara um perdão rubro, dilacerante, fúnebre, assim como fora toda a sua vida, desde a primeira vez em que ele desrespeitando a sua inocência pueril, tocara-a de forma repugnante e desprezível. 

Estavam no cume de uma bela montanha e lentamente a camisa dele se encharcava envolvendo-o em um manto escarlate. Assim, os seus pecados esvaiam-se, junto com a vida que ali terminava. Neste instante ele suspirou de forma profunda e pesarosa, enquanto um jorro de sangue inundava a relva ao seu redor. Então, tomado por um frenesi agonizante, ele conseguiu entreabrir os lábios e sussurrar um último pedido antes que a vida finalmente o abandonasse: 
 
— Me perdoe.
 
Ao ouvi-lo, o nojo e a aversão que sentira durante anos, se intensificaram. Neste instante, uma doce brisa sacudiu os cabelos grisalhos dele e uma pequena flor-do-campo encaminhada pelo vento, caiu-lhe na testa. Apressadamente ela abaixou-se e retirou a flor, com o temor de que mesmo morto, ele fosse capaz de contaminar sordidamente esta frágil forma de vida. 
 
Em seguida, ela levantou-se, a arma ainda em punho e dirigiu-lhe um último olhar. Recordou-se então de tudo que vivera até aquele momento e da criança feliz que um dia fora. Depois, caminhou lentamente para o despenhadeiro à frente e sentindo-se totalmente liberta e afortunada, lançou-se para as águas convidativas do mar que cortavam a encosta da montanha, e antes que o oceano a envolvesse de forma redentora nos seus ternos braços, ela fechou os olhos e sentiu que apenas através da morte é que conseguira finalmente perdoá-lo.

Idianara Lira Navarro é apaixonada pelo universo literário, sou fundadora e criadora de conteúdo do blog Encanto Literário e de suas redes sociais desde 2011. Secretária em tempo integral e preparadora e revisora textual freelancer, presto serviços para empresas, autores e editoras independentes.

Sinto uma profunda realização pessoal, ao contribuir para o aperfeiçoamento de textos e obras literárias. Busco constantemente aprimorar meus conhecimentos e adoro participar de antologias literárias para exercitar a escrita criativa.

E-mail: contato@encantoliterário.com.br

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