Prelúdio – Idianara Lira

Idianara Lira

Atualmente todos os ambientes ostentavam certa decrepitude.

A cozinha que outrora fora o coração da casa com seus aromas e sabores, agora jazia estática coberta por uma espessa camada de poeira e exibindo antigos azulejos repletos de fissuras e desgastes, causados pelo uso e o tempo. Ali, muitas histórias se descortinaram, décadas de almoços servidos entre ofensas constantes, sorrisos forçados e lágrimas vertidas.

Das paredes do corredor, farelos e pedaços de tinta descascada cobriam o chão, resultado de uma extensa umidade que estufava toda a extensão do local e conferiam ao piso, um quê de descuido e tristeza. Aquele espaço já presenciara inúmeros passos de seus moradores os quais, carregavam um mundo de sofrimento nos ombros e um profundo pesar em seus corações.

Em cada guarda-roupa, reinava um odor pungente de bolor e sabonete envelhecido. As roupas pendiam retorcidas, formando um emaranhado de memórias e histórias por vezes desconhecidas. Cada tecido carregava um universo de acontecimentos e sentimentos, que traziam as marcas de um passado a pouco perdido.

O quarto do casal possuía uma atmosfera sombria, provavelmente criada durante os anos em que fora palco de muitas mágoas e angústias, causadas por inúmeras desavenças ocorridas pelo excesso e falta de amor entre ambos. Então, todos os objetos particulares tornaram-se alvo dos cuidados do casal e eram vistos por estes, como extremamente importantes e insubstituíveis. Desta forma, eles possuíam um apreço exacerbado pelos seus bens, como um naufrago busca salvar-se, para não afundar em um oceano de desespero.

Porém, qualquer visitante com um olhar menos apurado, enxergaria apenas as belezas de cada ambiente com sua prataria bem polida, cristaleira lindamente enfeitada com panos bordados e taças de cristal, camas bem forradas e arrumadas e banheiros extremamente limpos e organizados. Arranjos florais e objetos diversificados, enfeitavam a sala que era ricamente decorada com uma cortina de renda do teto ao chão. Assim, os encantos de uma bela decoração serviam como disfarce para a escuridão que seus moradores traziam no peito.

Apenas o jardim demonstrava realmente possuir vida. Este era um espetáculo à parte, com suas cores, cheiros e texturas que exibiam um universo totalmente contrastante com o restante da casa. Flores das mais variadas espécies deleitavam os olhos de sua proprietária que com afinco e abundante carinho, a elas se dedicava diariamente. Ali sentia-se útil e valorizada, as plantas muitas vezes pareciam ser as únicas a lhe retornarem o amor que ela sonhava receber do marido. E este sentimento era tão forte, profundo e obsessivo, que mesmo após sua morte, todas as flores continuavam a desabrochar.

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