Resenha: A Casa das 100 janelas – Jefferson Sarmento

Idianara Lira

“Nós todos temos medo do escuro. Todos. Em algum grau. No silêncio dos nossos pensamentos, enquanto a luz e as sombras dos móveis e cortinas esquecidos ganham outras estranhas proporções, a pele nos denuncia, mesmo que essa parte consciente, que permanece de olhos abertos, estatelando as pálpebras para deixar passar mais luz pelas retinas… mesmo que essa parte tente nos enganar e consolar. Seja adulto, pelo amor de Deus!, ela reclama. Mas razão ou consciência alguma pode nos livrar no final” (primeiro parágrafo do livro A Casa das 100 janelas)

Anos atrás em um de meus textos, afirmei acreditar que as palavras possuem o infinito poder de sobreviver a incansável passagem do tempo e de tocar profundamente, a alma dos leitores que se deixam invadir pela magia que elas possuem. Assim, ao iniciar a leitura de A Casa das 100 janelas do autor Jefferson Sarmento e já em seu primeiro parágrafo ser encantada pela sua escrita, lembrei no mesmo instante deste meu pensamento e tive a plena certeza de que não só as palavras são mágicas, mas alguns escritores também.                                          

SINOPSE:   
Quando era garoto, Chico tinha os melhores amigos do mundo e se apaixonou pela menina do outro lado da rua. Eram quatro crianças felizes e mergulhadas em sua inocência, percorrendo as trilhas da serra, discutindo com a seriedade dos adultos os novos gibis e livros que compartilhavam, as séries de TV, filmes… e resgatavam o soldadinho de plástico, o Cabo Donald, que Pedro Rezende escondia para que caçassem como se seguissem as pistas de uma caça ao tesouro.

E então sua infância vibrante e feliz foi retalhada a fio de navalha porque seu pai foi acusado de assassinar Adélia Fortes. Um crime hediondo que chocou a cidade.

Trinta anos depois, Chico Rezende quis voltar a Bel Parque e prestar contas com seu passado. Enquanto revive os melhores anos de sua vida dos mágicos e trágicos anos 1980, percebe também que tudo mudou – e que o passado nunca o esperou. Mas parece querê-lo de volta assim mesmo – espreitando da escuridão.

É a Casa. Alguma coisa aconteceu lá. Alguma coisa sempre aconteceu, mas nunca se revelou, escondida nos cantos velhos e escuros, fermentando na dor e no medo que impregnaram as paredes e o chão daquele lugar. Ela se alimenta disso.

Seu grande amigo Mário também desapareceu, como seu pai, mas deixou pistas espalhadas em lembranças empoeiradas, cruzando as histórias de outras pessoas que parecem atraídas para a cidade como anjos hipnotizados pelo abismo. E todas as linhas sugerem convergir para o Solar dos Fortes, a Casa das Cem Janelas.

Dominar a arte da escrita e envolver o leitor em sua narrativa, é um trabalho que Jefferson Sarmento cumpre com maestria em seu livro A Casa das 100 janelas! A obra é um intrincado suspense, com pitadas de sobrenatural e vários momentos de terror, que durante a leitura me deixaram tensa e enxergando vultos em cada sombra do meu quarto, sentimento que antes só me fora causado pela criatura IT de Stephen King.

Mas não será apenas medo que o leitor encontrará no livro de Jefferson Sarmento. O autor nos conduz por uma narrativa onde um mísero piscar de olhos, é capaz de nos conduzir a um labirinto de acontecimentos onde até o mais atencioso leitor, poderá se perder. A passagem de tempo da narrativa não é linear, mescla passado e presente de várias personagens e conforme a trama vai se desenrolando, vemos o quanto é importante prestar atenção e compreender cada detalhe.

Por falar nas personagens principais, estas se conheceram quando ainda eram crianças e desenvolveram um forte laço de amizade, que me remeteu a série Stranger Things e novamente IT e a obra Conta Comigo de Stephen King. Vale mencionar que A Casa das 100 janelas está repleta de lindas referências a escritores, músicas, bandas, quadrinhos e várias outras características da cultura pop dos anos 80 que eu adoro! Além  de abordar o racismo e o preconceito de forma bem humana.

“Por que acho que aquela foi a melhor foto de todas? Mesmo tendo ficado sepultado no filme marrom da câmera para todo o sempre (bem… não exatamente para sempre), aquele momento foi o ápice de nossa amizade. Estou sendo repetitivo. Mas nossa vontade de viver, de estarmos juntos nas aventuras mais simples e apaixonantes que poderíamos conceber, estava ali e era palpável, viva, radiante, intensa! (trecho extraído da pág. 211)

Além de todos estes aspectos instigantes do livro, para mim o maior de todos é a Casa, esta funciona como elo de ligação entre tudo e todos, passando entre gerações e influenciando a vida de qualquer um que tenha contato com ela. Cenário de acontecimentos terríveis como a escravidão, torturas, assassinatos, amores proibidos entre outros, a casa era a fonte de todo mau e o lar da escuridão. Dotada de poderes sobrenaturais que parecem vazar para o mundo real, sua existência era embasada em muito padecimento e a monstruosidade não estava presente apenas em seu tamanho e inúmeras janelas.

“Houve muito sofrimento naquele lugar. Muita dor, humilhação, perda, morte, doença, vingança, covardia… Todo dicionário de palavras ruins que pude citar. E essas coisas ficaram grudadas naquelas paredes, no chão, no teto, nos móveis velhos…” (trecho extraído da pág. 73)

Durante a leitura, fiquei extremamente impressionada com a casa e sua descrição: ela é tão descomunal que possui 365 janelas, uma para cada dia do ano, mas verdadeiras eram apenas 100, as outras eram pinturas nas paredes, eis ai, a origem do título da obra. Então, qual foi a minha surpresa, ao saber através do autor que a casa de fato existe! Pois é, Jefferson Sarmento se inspirou na Fazenda Santa Clara, uma imponente construção do final do século XVIII, situada na cidadezinha de Santa Rita de Jacutinga no interior de Minas Gerais. A propriedade tem mais de 6.000 m² e abrigou vasta plantação de café, vindo ao declínio financeiro após a abolição da escravatura. O documentário a seguir é muito interessante, conta a história da Fazenda Santa Clara além de fazer um tour turístico.

Enfim,  A Casa das 100 janelas é um livro excelente! Me sinto extremamente feliz em ter sido selecionada para esta leitura coletiva organizada pela LC Agência de Comunicação, pois foi através dela que tive o prazer de participar desta experiência memorável e de conhecer a escrita do incrível autor Jefferson Sarmento, o qual se mostrou um autor muito educado, gentil e carinhoso com seus leitores, a ponto de fazer um agradecimento na edição especial do livro impresso que publicou para a leitura coletiva. Foi uma jornada incrível conhecer este livro!

“A escuridão exerce um certo fascínio em nós, pobres mortais. E medo, claro, porque tememos aquilo que desconhecemos. (trecho extraído da pág. 257)

Sobre o autor: 
 
Jefferson Sarmento é formado em publicidade e propaganda, autor dos livros “Velhos segredos de morte e pecados sem perdão” (2007), “Os ratos do quarto ao lado” (2008), “Alice em silêncio” (2016) e  “Relicário da maldade”, um grande sucesso lançado em 2019 pelo selo Transversal, da Editora Oito e Meio.
 
Atualmente cursa pós-graduação em Escrita Criativa na Universidade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro.

2 Comments

  • Andrea

    21 de junho de 2021 at 08:35

    Adorei a resenha! E a LC foi demais! Bjs
    Andrea

    1. Idianara Lira

      11 de julho de 2021 at 11:35

      Olá Andrea muito obrigada! Também adorei participar desta LC. Abraços!

ESCREVA UM COMENTÁRIO

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Post Anterior Próximo Post