Resenha: A Face Oculta de Eva – Nawal El Saadawi

Idianara Lira

“Não há dúvida de que escrever sobre mulheres na sociedade árabe, especialmente se o próprio autor é uma mulher, é invadir áreas sensíveis e dificultosas, é trilhar um caminho por um território intransitável em razão de suas minas, visíveis ou escondidas; a qualquer passo, pode-se tocar em um arame eletrificado ou em algum ponto sagrado que não deve ser mencionado, em um valor que não deve ser questionado porque faz parte de uma constituição moral e religiosa, que ergue suas pesadas barras de ferro, à medida que se levantem questões relacionadas à mulher ou se manifestam vozes a favor de sua liberdade. (pág. 20)

“A Face Oculta de Eva” é uma obra instigante e reveladora da renomada autora Nawal el Saadawi, a qual mergulha profundamente na condição feminina na sociedade patriarcal do mundo árabe. O livro, que está em sua 3.ª edição lançada pela Global Editora, é muito relevante atualmente, ao abordar temas como o poder, a sexualidade e opressão exercidos de forma terrível sobre a mulher árabe.

SINOPSE:
Apesar de ser um dos países com o maior número de feminicídio do mundo, a vivência da mulher brasileira para a da mulher árabe é muito diferente. O que une as experiências é o fato de que todas estão sob o controle do patriarcado, mesmo que elas sejam afetadas pelo mesmo de forma bem diferente. Em A face oculta de Eva, livro que está na sua terceira edição pela Global Editora, a autora Nawal el Saadawi começa a desmistificar os estereótipos ocidentais que tentam definir as mulheres árabes e suas lutas, mostrando como essas mulheres são afetadas pelo sistema e como elas moldam suas lutas.

Ela faz isso ao apontar a sua caneta para as mulheres árabes comuns e suas rotinas, abordando a luta diária de mulheres que arcam com as consequências do patriarcado na pele. Os últimos acontecimentos no mundo árabe, mostram exatamente como sua narrativa se torna essencial ainda hoje: a emancipação dessas mulheres é pauta extensa em todas as discussões feministas. Com base religiosa, política e outras fontes, a autora mistura estudo com relatos pessoais – que dão rosto e voz para mulheres árabes que pensam, lutam e falam o que pensam, sempre.

A sociedade é, e sempre foi, capaz de selecionar, entre os valores religiosos, aqueles que servem aos seus interesses econômicos. (pág. 89)

O livro mostra as dificuldades que as mulheres árabes enfrentam e foi uma leitura difícil de digerir e muito sofrida. Em vários momentos virei as páginas com lágrimas nos olhos e um sentimento angustiante de que sou privilegiada, afinal, por nascer e viver no ocidente, nunca vivenciei algumas das terríveis situações que a autora descreve como, por exemplo, a mutilação genital. 

A autora Nawal el Saadawi critica as normas culturais e religiosas que perpetuam a opressão feminina e não hesita em questionar e desafiar as estruturas patriarcais que limitam as escolhas das mulheres e as reduzem a papéis estereotipados. Ao longo da narrativa, a autora aborda temas como mutilação genital feminina, casamento forçado, aborto, adultério, desigualdade de gênero, maternidade e sexualidade reprimida, além de expor a crueldade das práticas tradicionais que perpetuam a subjugação feminina e questiona a ideia de feminilidade como sinônimo de fragilidade e passividade.

“Já que são os homens que estabelecem as regras para as mulheres, eles, como não poderia de ser, permitem-se tudo o que a elas é proibido. “(pág. 51)

Além disso, a autora desafia a ideia de que o poder é inerentemente masculino, oferecendo uma perspectiva crítica sobre a dominação masculina e suas consequências prejudiciais para a sociedade em sua totalidade. O livro nos incentiva a refletir sobre as estruturas de poder em nossas próprias vidas e a considerar a importância de alcançar uma igualdade genuína entre os gêneros. Através de sua escrita eloquente e comprometida, Nawal el Saadawi inspira a busca por mudanças sociais significativas e convida as mulheres a reivindicarem suas identidades e direitos.

“… acredito plenamente que a origem dessa condição inferior da mulher em nossa sociedade e sua falta de oportunidade de progredir não se devem ao Islamismo, mas a determinados poderes políticos e econômicos, sobretudo à influencia do imperialismo estrangeiro que opera especialmente do exterior e das classes reacionárias que exercem internamente. Essas duas forças se completam hermeticamente e, de comum acordo, empreendem-se em uma interpretação errônea da religião, utilizando-a como instrumento de medo, opressão e exploração. (pág. 69)  

Enfim, A Face Oculta de Eva é uma obra transformadora que pode causar gatilhos emocionais, mas extremamente poderosa e que aborda corajosamente as questões mais urgentes da condição feminina. Assim, a autora deixa um legado ao revelar a face oculta da opressão que muitas mulheres enfrentam, abrindo caminho para um diálogo aberto e necessário sobre a busca pela igualdade de gênero. Este livro é uma leitura essencial para todos que desejam compreender e contribuir para a luta pela emancipação feminina.

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Nawal el Saadawi foi ativista e escritora, reconhecida internacionalmente por sua luta pelos direitos das mulheres no Egito e no exterior. Nasceu em 1931, em uma aldeia no norte do Cairo. Em 1955, formou-se em Medicina na Universidade do Cairo, onde especializou-se em psiquiatria. Sua vida foi marcada por perseguições políticas, já que seu posicionamento era afiado e suas críticas sempre contundentes à sociedade árabe. Em 1972, foi demitida da Secretaria de Saúde Pública por causa dessas críticas, e em 1981, presa por supostos crimes contra o estado. Teve uma produção prolífica, entre ficção e não ficção, publicando mais de 40 obras, muitas delas traduzidas e publicadas em dezenas de países. Morreu no Cairo, em 2021, aos 89 anos.

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