Resenha: Alice em silêncio – Jefferson Sarmento
“A comiseração humana sobrevive pouco mais que alguns minutos, quando a lógica animal toma conta e somos apenas isto: sobreviventes. Mesmo que o que tenhamos em mente não seja primordial para nossa sobrevivência, nós nos convencemos disso, de que precisamos de mais um pedaço de pão, de mais algum dinheiro, de uma casa melhor, de um carro mais veloz, de mais… seja lá o que for.” (pág. 10)
Desde que recebi o exemplar de Alice em silêncio até o momento desta resenha, muito tempo se passou. Tal fato se deu pelo medo que eu tinha de sofrer com o livro, pois, para aqueles que não conhecem a escrita do autor Jefferson Sarmento, explico que ele domina com maestria a arte da escrita e envolve completamente o leitor em suas narrativas. Assim, após ler a sinopse, sempre acreditava que não estava preparada emocionalmente para a leitura, mas me arrependo totalmente de ter esperado tanto tempo para abrir as páginas de Alice em silêncio.
SINOPSE:
E se no meio de uma terrível tragédia você descobrisse alguém capaz de curar as piores feridas e as enfermidades mais cruéis com apenas um toque?
Alice é apenas uma garotinha assustada, resgatada dos escombros de um deslizamento na estrada, no meio de uma tempestade feroz e destruidora. Pedro também foi arrastado com ela e esteve à beira de desistir (de “ishcorregar”, o locutor de fala arrastada repetia dentro de sua cabeça), mas aquele estranho sonho em que via a menina com seus grandes olhos azuis assustados… aquilo o fez voltar a si. Precisava tirá-la de lá!
Vagando em direção à cidade, eles testemunham a destruição e a dor dos sobreviventes da catástrofe. Desabrigados, feridos, enfermos, mortos… E em meio ao caos surge o rumor de que Alice talvez… talvez tenha curado uma pessoa quando a tocou. Poderia ser possível? Num mundo real, palpável e cruel… poderia ser possível?
Pedro insiste que não, mas talvez esteja apenas tentando protegê-la, porque a cada instante parece mais evidente que a verdade… Pedro sabe a verdade. Mas não pode contá-la. Não agora. Porque ele sabe do que as pessoas são capazes para conseguir o que querem.
Alice em silêncio me capturou antes da narrativa começar, em seus agradecimentos o autor explica como a ideia do livro surgiu (curiosidade que sempre me acompanha quando gosto de uma leitura) a partir dos estragos e desmoronamentos que uma forte tempestade causou em 2002 no litoral fluminense, onde ele e a família estava hospedados para passar as comemorações do final do ano.
“Algumas pessoas pensam na cabeça de um escritor como uma caixa sem fundo de onde escapam monstros, fantasmas e ideias mirabolantes, mas não é verdade que ela não tenha fundo. O que acredito de fato é que apenas devolvemos para o mundo as coisas que depositam nessa nossa… caixa.” (pág. 5)
A partir daí, somos apresentados ao misterioso protagonista Pedro Malta, um homem que foge de algo que não temos a menor ideia do que seja, para um local que nem ele mesmo sabe. Em sua viagem rumo ao desconhecido, Pedro se depara com uma terrível tempestade que destrói toda uma região, causando inúmeros deslizamentos e acidentes. Seu carro é arrastado por uma avalanche de lama e terra com outros veículos. Entretanto, ele consegue se salvar e no caminho resgata Alice, uma doce menina aparentemente muda que mudará sua vida para sempre.
A descrição sufocante do acidente e da devastação causada pela tempestade, além de os alertas de Pedro para o leitor de que algo muito ruim ainda acontecerá, nos causa uma forte sensação de angústia e assim, quando finalmente Pedro e Alice aos trancos e barrancos conseguem chegar a um local seguro, nós leitores estamos exaustos. Impressionante como uma narrativa bem escrita pode causar sensações físicas, igual o coração ficar acelerado quando assistimos a um bom filme de terror.
Entretanto, algo muito incomum acontece durante esta difícil jornada: Alice aparentemente consegue curar as pessoas apenas com seu toque e Pedro precisará protegê-la de tudo e todos. Assim, o leitor se vê preso a este grande mistério: será que Alice tem o poder da cura? Se for verdade como funciona? De que forma ela adquiriu este dom? Enquanto tais dúvidas nos afligem, outra incógnita surge em um beco muito longe da onde os personagens principais estavam: um mendigo que nos é apresentado como o “Andarilho”, parte em uma caçada alucinada por Alice, e Pedro de alguma forma, também sabe da existência desse algoz e decide que já passou da hora de fugir com ela para longe dali.
“Ficar ali seria duplamente pior. O Andarilho certamente nos encontraria. E em breve as pessoas passariam de bestificadas para curiosas. De curiosos, passariam a interessados. E daí a benevolentes protetores de uma menina que não falava, mas tinha o poder impossível de curar as pessoas com um toque, um carinho no rosto.
Protetores benevolentes tornam-se proprietários gananciosos em um piscar de olhos.”(pág. 67)
Alice em silêncio é uma leitura surpreendente e impossível de largar! O final me deixou literalmente de queixo caído quando finalmente descobri a verdade por trás de todos os segredos da trama. Aliás, a verdade estava ali sempre passeando pelas entrelinhas da narrativa, mas como eu construí uma desconfiava e uma crença em outras coisas, acabei não percebendo o que estava bem diante de meus olhos. Mas, confesso que achei bom me “sentir enganada”, pois, quando desvendei todos os mistérios, fiquei admirada com a incrível capacidade do autor de escrever com tanta destreza. Enfim, mais uma leitura inesquecível de outra obra do grande autor contemporâneo Jefferson Sarmento.
JEFFERSON SARMENTO é formado em publicidade e propaganda, autor dos livros “Velhos segredos de morte, “Os ratos do quarto ao lado”, “Alice em silêncio” e o recente “A casa das 100 janelas”, além de ter sido um daqueles adolescentes enfiados nos corredores das bibliotecas (especialmente entre as prateleiras de histórias de horror) e nas sessões de cinema fantásticos com filmes de vampiros, aliens colocando ovos pela garganta de astronautas e criaturas inofensivas que se transformam em monstros assassinos quando comem depois da meia-noite.