Resenha: Filho da Noite – Antonio Calloni

Idianara Lira

Lançado este ano pela Editora Valentina, o livro Filho da Noite despertou minha curiosidade assim que li a sinopse, pois tive a impressão de ser algo possivelmente surpreendente e inovador, capaz de causar impacto em seus leitores o que efetivamente me ocorreu.

SINOPSE:
Caro Leitor, você deve estar, neste momento, se perguntando sobre Filho da Noite, certo? Então… vamos lá:

Desconfio que eu seja sombrio, vulgar (como sempre), lírico, erótico, engraçado, romântico(?). Desconfio que eu namore com o terror, com o suspense, com a loucura, com o estranho. Desconfio que eu tenha um final feliz. Sou um romance em duas partes que talvez se comuniquem.

Filho da Noite traz uma perturbadora narrativa, cheia de detalhes, um verdadeiro delírio, ou não? O filho, o pai. O segredo, o casarão, as mãos sujas de culpa e nenhum arrependimento. Sua narrativa tem elementos de terror psicológico. Disponha-se a devorar dois livros que facilmente poderiam desmembrar-se em muitos.

“Como aperitivo, adianto que a segunda parte do livro começa em clima de soft-pornô ou de romance noir. Nela, o novo protagonista parece ser dono de sua história, até cair num labirinto metafísico, espécie de looping do eterno retorno. E não me atrevo a revelar o final para não estragar a surpresa e a alegria do leitor.

Toda vez que sê lê um novo livro, temos a tentação de imaginar a sua genealogia. Para ajudar a decifrá-lo, por um lado, mas também para despi-lo de sua dissonância, de sua diferença. Dentro dessa procura pela semelhança, digamos que Calloni parecia cultivar a desordem de Clarice e a liberdade linguística de Guimarães Rosa.” – Geraldo Carneiro.

Habita em nós o bem e o mal, ambos coexistem sempre em luta constante pela maior parte de nosso caráter. De acordo com a situação que estamos inseridos tanto um como o outro, são significativamente importantes para nossa própria sobrevivência. Porém, infelizmente, existem pessoas que preferem lançar mão na maior parte do tempo, da perversidade que os consomem.

Tal reflexão me tomou de assalto, assim que vislumbrei a capa de Filho da Noite: nela o rosto do autor Antonio Calloni – consagrado ator brasileiro -, aparece espelhado e com uma caveira sobre sua cabeça, formando uma imagem sinistra que remonta ao Teste de Rorschach, o qual utiliza imagens parecidas com borrões ou manchas de tintas abstratas e que tem como objetivo, investigar e conhecer os recantos mais escondidos de nossa mente, ou seja, é um teste psicológico de personalidade, que se baseia nas interpretações que obtemos ao visualizar tais imagens. Seu criador Hermann Rorschach, foi um reconhecido psiquiatra suíço que acreditava que nossa vida e personalidade, influenciam em nossa percepção visual.

Com tudo isso em mente, parti para a leitura de Filho da Noite. Escrito de forma bastante metafórica, vemos a narrativa se cruzar com a vida de Calloni ator já em suas primeiras palavras:

“É possível que eu esteja vendo uma cortina vermelha, de veludo, pesada, se abrindo perante meus olhos de espectador; e que o espectador seja o inventor, o ouvinte da própria memória e de muitas.” (trecho do livro – pág. 09)

A forma de exposição do texto parece estar intrinsecamente ligada a mente humana, ou seja, é uma torrente de palavras carregadas de lirismo, sentimentos, lembranças e metáforas sempre pautadas por vírgulas e vários pontos finais, que lembram o emaranhado de ideias que circundam o raciocínio de uma mente mais agitada e complexa.

Dividido em duas partes, na primeira conhecemos o viúvo Agenor, um contador metódico, idoso e aparentemente enfadonho que esconde um grande segredo em um dos quartos de seu casarão. Sua rotina é compartilhada com Cinira, empregada da casa que realiza favores sexuais para o patrão enquanto sonha em casar-se com seu noivo.

Nesta parte o leitor mergulha na mente e nos sentimentos de Agenor, Cinira e de um terceiro personagem que não darei detalhes para não estragar um dos mistérios do livro, além disso, o autor demonstra como a crueldade humana, pode se esconder em uma máscara de neutralidade que poucos percebem. O final desta parte considero o gran finale do livro, pois conseguiu elevar minha expectativa a maior potência.

Entretanto, nem só de elogios se faz minha resenha, houveram trechos que me incomodaram muito com seus palavrões e vulgaridades, que vão de encontro aos meus conceitos de vida. Compreendo que o sexo é um dos fatores relevantes para os personagens, mas a forma e o contexto como foi abordado em alguns momentos, me desagradou bastante como no exemplo a seguir:

” No ônibus em pé, Cinira é acariciada por p… dos mais variados tamanhos. Ela Costuma fechar os olhos e tentar adivinhar a cor, a altura e o peso do sujeito que, de propósito ou sem intenção, apresenta à mulata sua arma não muito secreta. Ajuda a passar o tempo e, em vez de se aborrecer com os ingênuos tarados, faz sua pesquisa científica e enriquece o currículo. Ajuda a passar o tempo… (trecho do livro – pg. 66)

Na segunda parte do livro, acompanhamos Antônio, um investigador de policia, que por vezes nos confunde completamente durante a narrativa, por ser difícil identificar em um primeiro momento, se o que ele está vivendo é realidade ou fruto de sua mente. Por vezes achei necessário reler parágrafos e refletir sobre outros antes de prosseguir com a leitura.

“Oscilando inconsciente como todos os reles mortais entre Aquiles e Ulisses, minhas palavras, absurdamente mais pobres, vão da ação ao ardil com um repertório superficial e contemporâneo. Não existe, da minha parte, um juízo de valores para superficial e contemporâneo, minha presunção tem limites e minha capacidade de gostar, provocar e admirar continua imensa.” (trecho do livro – pág. 115)

Enfim, posso dizer que é uma leitura marcante, escrita com um rico vocabulário e várias referências, mas que pode não ser agradável para todos os leitores. Seu enredo mostra a Vida com suas alegrias e tristezas, o véu da Morte que a todos nós assombra e o estreito limiar entre a loucura e a razão que podem perturbar qualquer ser humano.

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