Resenha: Lenda das Pedras – Edson Freitas de Araújo

Idianara Lira

“Viveria a liberdade em sua forma mais genuína, usufruindo da ilusão do livre arbítrio, diante da intrínseca ingenuidade de quem pensa estar traçando o próprio destino.” (pág. 15)

Eis uma leitura desafiadora como a muito tempo eu não me deparava. Lenda das Pedras se assemelha a um caleidoscópio, pois, em cada página através de uma linguagem carregada de lirismo, é possível encontrar variadas combinações de narrativas, as quais conduzem o leitor através de interessantes referências regionais nordestinas e lendas, criadas pelo autor, além de apresentar um protagonista que mesclando suas memórias e vivências do passado e presente sofre com a solidão.

“Ele se entregava, passo após passo. Vivera a noção do desamparo, ficando socialmente recluso e emocionalmente abandonado. Ao seu redor passara a existir o vazio. E, diante de tal oportunidade, a senhora solidão se apresentou. Silenciosamente. Aos poucos. Com o seu manto frio, ela abraçava aquela alma. (páginas 56 e 57)

SINOPSE:
Lenda das Pedras é uma estória que expõe a relação de alienação parental e suas consequências, tendo por base a vida de um homem atormentado, que segue em busca de sua identidade. Tudo se deu quando maduro e maltratado pela vida, ele mergulhou nas lembranças de infância, em busca de amenizar suas dores. Lá se viu, diante de sua mãe, numa noite de lua estonteante, e que lhe contava a origem de duas serras: Copioba e Aporá. Esta estória, que perpassa por toda narrativa do romance, vinculou boa parte das decisões tomadas pela personagem principal às mensagens subliminares contidas na lenda.

A obra possui uma fragmentação temporal, misturando passado, presente e futuro, com força marcante no confronto entre o real e o imaginário. Mergulhe, e veja você mesmo, pois são elas, as águas negras e calmas do rio Paraguaçu, que lhe fazem esse convite… Que lhes dão as boas-vindas… E as pedras lá estão, na amplidão do recôncavo, inertes, caladas, sem mais nada revelar.

Apaixonada por poesia e sua linguagem que tende a  tocar nossos variados sentimentos, fiquei encantada ao me deparar já no primeiro parágrafo do livro, com um texto que ao longo de suas quase 300 páginas, se apresenta como uma fascinante prosa poética, capaz de fomentar até as mentes mais aguçadas e curiosas.

“Não mira o espelho. Não quer o revelar daquela imagem transformada pelo tempo. Na sua glória, ele, o espelho, era um amigo generoso. Deixou de mirá-lo porque ele insistira em desferir verdades. Profundas e cruéis. Inicialmente o ignorara. Distanciara-se, na esperança de o tempo alterar o discurso do espelho.” (pág. 11)

Entretanto, apesar de ficar impressionada com a qualidade narrativa do livro, o qual possui um vocabulário bem rebuscado e que me fizeram diversas vezes, recorrer ao dicionário para compreendê-las, confesso que em alguns momentos, tive dificuldade em me conectar com a narrativa e precisei reler algumas passagens, pois certas transições de tempo, e personagens me pareceram bruscas e faziam com que eu perdesse durante a durante.

Fiquei com a sensação de que algumas partes transcorriam um pouco como a mente de uma pessoa ansiosa (meu caso): tudo e todos ao mesmo tempo, numa procissão de acontecimentos e sentimentos que se desenrolam tão rapidamente, que às vezes, nos conduzem a um lugar que nem sabemos como fomos parar ali. Pode ser que talvez eu não estivesse preparada para esta leitura no momento, ou minha recorrente dificuldade de concentração (causada por minhas crises de ansiedade) não me permitiram criar o vínculo necessário com o livro. Mas, independente de meus contratempos com a obra, desenvolvi uma grande admiração pelo autor que possui nitidamente um dom para a escrita e uma erudição literária impar. 

Lenda das Pedras aborda acima de tudo, as consequências da alienação parental e a influência negativa que ela exerce ao longo da vida de uma pessoa, resultando principalmente na solidão.  Enfim, é uma leitura poética, profunda, emocionante, complexa e muito intrigante, que vale muito a pena conhecer.

“Então, a melancolia, aproximando-se, dele se apoderou ante as impressões dessas lembranças, ante o frio, enquanto ele de encontrava decrépito, dominado pelos sussurros maternos, que, bramindo internamente, ainda respondiam por parte de sua clausura atual. (pág. 95)

EDSON FREITAS DE ARAÚJO nasceu em Cruz das Almas, cidade do interior do Recôncavo Baiano, no dia 28 de abril de 1964. Graduado em Agronomia pela UFBA em 1985, concluiu um mestrado na área de Genética em 1995 e em 2002 defendeu sua tese de doutorado, na área de Genética e Biologia Molecular. Ambos os títulos de pós-graduação foram obtidos junto à UNICAMP. É professor Titular da UEFS, desde 1994. Em 2017 publicou pela Editora UEFS uma novela, cujo título é Memórias Rasgadas. Dentre os escritos não publicados havia um curto poema, com simplórios versos, que fazia alusão às serras, com as quais ele viveu durante toda a sua infância. Foi a partir daí que o romance “Lenda das Pedras” seria escrito, ganhando densidade, tendo um compromisso premente com os adultos.

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