Resenha: Não conte para a mamãe (Memórias de uma infância perdida) – Toni Maguire
Comecei a ler este livro faz uns 2 anos e a angústia e o mau estar que ele me causou foram tão profundas, que na época não consegui terminar a leitura. Retomei em dezembro/2019, durante minha viagem de férias, pois imaginei que talvez um ambiente de lazer e relaxamento, me ajudaria a lidar com toda a carga emocional transmitida por Toni Maguire através de sua escrita primorosa e intensa, porém, certamente não funcionou e assim, passei várias noites perturbada com os relatos da autora.
O livro começa com a mãe de Toni, já idosa, internada em uma clinica de repouso de onde certamente não irá para casa e assim, seus últimos dias de vida são repletos de noites perturbadoras, enquanto isso, Toni de certo modo anseia que a mãe lhe diga ao menos um pedido de desculpas, mas no fundo ela sente que talvez a mãe não admita nunca que fez algo de errado. E assim, envolvida nessa atmosfera da morte eminente da mãe, Toni começa a lembrar de seu passado, no qual ainda era feliz e a doce menina Antoinette ainda existia, antes dela tornar-se apenas Toni, como forma de sobreviver a tudo que vivera.
“Eu sabia que Antoinette havia despertado, e não seria capaz de força-la a retornar aos anos de dormência em que a isolara. Fechei os olhos e permiti que seu sussurro penetrasse minha mente, quando ela começou a nossa história.” (trecho do livro)
As primeiras páginas nos mostram uma família feliz e na qual a autora sentia-se totalmente inserida e segura, não apenas com os pais, mas tios, tias, primos, avós todos formavam um contexto de acolhimento e amor. Entretanto, ao longo da narrativa uma transformação vai acontecendo principalmente com seu pai e depois em sua mãe.
“Com um nó na garganta, lembrei-me de muitos anos atrás, quando estivera cercada por seu amor. Ela era a mãe que me abraçava e brincava comigo, lia histórias e me colocava para dormir. E eu sentia seu cheiro quando se curvava para me dar o beijo de boa-noite. “(trecho do livro)
“Eu sentia um frio no estômago, perguntando-me que pai apareceria à porta. Seria o alegre e jovial, presenteando minha mãe com uma caixa de chocolates e fazendo cócegas em meu queixo? Ou o homem nervoso que vira pela primeira vez na alameda e que vinha aparecendo cada vez com mais frequência?” (trecho do livro)
“A felicidade de minha mãe era controlada pelo humor do marido.” (trecho do livro)
Aos 6 anos de idade começa o terror vivido pela autora durante quase uma década. É terrível ver ela contar para a mãe que o pai a tocara de forma inapropriada, acreditando que esta o mandaria parar e ter como retorno, uma mãe livida de irritação que com raiva na voz lhe ordenara “nunca mais falar isso denovo.” Desta forma, Toni aprendeu da pior maneira possível, que o amor de sua mãe era totalmente do marido e que por este desejar a própria filha, ela seria alvo de constantes atitudes que representam abandonos maternos. Mas a menina ainda passaria anos buscando o amor da mãe e para isso, procurava sempre se comportar como se fossem uma família normal e feliz.
“No lugar de minha mãe amável e risonha, uma mulher estranha surgia, invadindo seu corpo aos poucos, até que a mãe que eu conhecera não estivesse mais lá, apenas uma desconhecida que tinha pouco tempo para mim. Sem entender o que eu havia feito de errado, minha perplexidade aumentava, junto com a tristeza e solidão.” (trecho do livro)
Chorei em vários momentos da leitura. Passei dias remoendo o sofrimento de Toni, perdi noites em claro revivendo de forma tenebrosa seu relato terrível e estarrecedor. Mesmo como adulta no alto de meus quase 37 anos de idade, sabendo que a crueldade humana atinge proporções infinitas e que o mundo está cheio de atos de maldade, é perturbador saber que o seio familiar, o qual deve ser o lugar mais seguro e repleto de amor para uma pessoa, se tornou o agente torturador de uma criança e mais tarde uma adolescente. Que além da pedofilia do pai, que lhe imputava atos grotescos física e mentalmente, ela teve que aprender a conviver com o descaso da mãe e seu desamor.
“Na minha cabeça eu tinha dois pais, o repugnante e o amigável. O repugnante me causava muito medo; já o amigável, o mesmo que nos encontrara no porto, era o homem sorridente e bem-humorado que minha mãe amava.” (trecho do livro)
“- Não vá contar para a sua mãe, minha menina. Isso é segredo nosso. Se contar, ela não vai acreditar em você. Ela não vai mais amar você. (trecho do livro)
A solidão, com exceção de alguns animais de estimação e os livros, fora sua companheira durante todos os anos de trauma e horror vividos. Sinceramente não sei como a autora , não sucumbiu a loucura ou a atos extremos para acabar com a tortura que lhe causavam, buscando encerrar a dor, a rejeição e o sofrimento ainda na infância.
” – o que senti foi mais profundo que solidão. Era um sentimento de ser estranha a todas as pessoas do mundo. Anos depois, quando ele foi a um casamento da família, dos quais havia muitos e eu nunca era convidada, não questionei. Aceitei o fato de que não me queriam. Nunca comentei nada sobre a injustiça que havia nisso. Eu sabia que eles haviam tomado uma decisão coletiva. Não tinha volta, pois expulsaram a mim do coração deles, e não a ele. Fui excluída até mesmo do funeral de minha avó. Um dia ela me amou, e eu a ela. Tudo isso foi tirado de mim pelos atos dele, n]ao os meus. E minha Mãe nunca falou disso. Ela simplesmente aceitou.” (trecho do livro)
Enfim, é uma leitura que traz muita aflição, dor e tristeza. Impossível, principalmente sendo mulher, não se tocar pelo relato de Toni Maguire. Eu sinceramente desejo a ela e a todas as vitimas de abusos que existem no mundo, o mais profundo e sincero amor e que a felicidade possa de alguma forma, se fazer presente em suas vidas. Que lutem e nunca desistam de si mesmas, apesar de todas as adversidades e horror que tenham vivido.
“Você pode construir uma casa e embelezá-la. Pode deixá-la com a aparência mais maravilhosa que puder e decorá-la com objetos lindos. Pode transformá-la num símbolo de riqueza e sucesso, ou pode fazer dela um lar e enchê-la de felicidade.” (trecho do livro)
Sobre a autora: