Resenha: O Abrigo de Kulê – Juliana Valentim

Em fevereiro o blog foi selecionado pela LC Agência de Comunicação, para participar da Leitura Coletiva do livro O Abrigo de Kulê da autora Juliana Valentim. E o que começou com o sentimento de felicidade, terminou com um encantamento profundo pela obra!

SINOPSE: O ano é 1940. A cidade, uma dessas onde os velhos espiam pelas janelas com seus olhos cheios de memórias, onde as crianças brincam pelas ruas, com seus pés nus, e meninas sem luxo se enfeitam para ver a festa na praça. Maria, uma moça que ama os livros e sonha em ver o mundo, encontra Gabriel, um caixeiro-viajante vendedor de brinquedos. O que eles não sabiam, na beleza inocente da juventude, é que o destino tem seus caprichos. O que eles não sabiam, é que a liberdade é o bem mais precioso de quem vive. E é por ela que se luta, todos os dias! 

O Abrigo de Kulé é uma leitura simples, leve mas que apresenta temas profundos. Um verdadeiro deleite para olhos e doçura para o coração! Através de assuntos fortes, como a escravidão, o preconceito, a sororidade feminina e as dificuldades do amor, o enredo é cativante e apesar de abraçar vários núcleos narrativos, ao final nenhuma ponta fica solta.

Ambientada no interior de Minas Gerais, a história inicialmente nos apresenta Gabriel, um menino talentoso com as palavras e muito simpático que na vida adulta, torna-se caixeiro viajante e parte pelo mundo em busca de ideias de brinquedos, para desenvolver e vender na fábrica que criara na casa de seus pais.

Em seguida somos apresentados a Maria, uma moça de grandes olhos expressivos, honesta, apaixonada pela leitura e que sonhava em viajar o mundo, contrariando assim, o que na década de 40 a sociedade almejava para as mulheres: que de filhas se tornassem esposas e mães. Porém Maria, andava a frente de seu tempo e não tinha a menor vontade de servir a marido e filhos.

Com o tempo o destino se encarrega de cruzar os caminhos dos dois jovens e a partir dai, muitas reviravoltas ocorrem tornando o livro mais interessante a cada capítulo. Outras personagens são inseridas ao longo da narrativa, inclusive Kulê que dá nome a obra. Mas vale salientar que engana-se quem acha que o foco do livro é o romance entre Gabriel e Maria, tal sentimento que toma de assalto os jovens, funciona como pontapé inicial para todas as tramas que cercam a obra até culminarem em um desfecho surpreendente e inovador.

Referente a autora Juliana Valentim, esta além de jornalista possui alma de poetisa, característica bem marcante em vários trechos de O Abrigo de Kulê e que se confirma através de seu livro de poemas Palavras que Dançam, o qual também tive o prazer de ler. Vários trechos do livro são belíssimos e impossíveis de não serem compartilhados, por este motivo, encerrarei esta crítica com algumas citações do livro.

“Despediram-se, então, com uma inquietação na alma. Sentiam vontade de viver demasiadamente, até o talo da vida. As peles queimavam feito uma febre faminta de tudo. Sentiam vontade de engolir o mundo.” (pág. 20)

“Kulê dizia que a chuva, quando cai na terra, são as nuvens que cantam seu lamento. Quem silencia a alma consegue ouvir o gozo das plantas, que dançam nuas, noite adentro.” (pág. 121)

“Ali, Gabriel era apenas um menino, um emaranhado de dúvidas, novelos de pensamentos que gritavam intensamente. Sentia-se como carta perdida no meio do baralho, morando na cartola de um velho mágico. Era feito um caderno cheio de perguntas com respostas rabiscadas sem certezas. Era borracha que apaga o destino e reescreve contra a correnteza.” (pág. 198)

“Maria, livre, não precisava se tornar ‘alguém’. Ser qualquer uma na multidão era saber voar com as asas que a alma tem.” (pág. 203)