Resenha: Relicário da Maldade – Jefferson Sarmento

Idianara Lira

” E se houvesse um jeito de separar de uma pessoa a sua parte má, trancafiando seus vícios e maldades num baú de horrores? E se eles escapassem de volta, todos de uma vez? Depois da morte da bondosa senhora Augusta Dummont, os três garotos da rua Dez decidiram ver o que ela guardava no porão do velho sobrado em que vivia. Só por diversão. Mas acabaram esbarrando num segredo que colocará em risco toda a Cidade.”

Ano passado tive o prazer de conhecer a escrita do autor nacional Jefferson Sarmento através de seu livro “A Casa das 100 Janelas” leitura que me encantou desde seus primeiros parágrafos e me despertou a curiosidade em conhecer mais obras do autor. Assim, após pesquisar mais sobre seu trabalho, me recordei que anos antes, tinha divulgado o lançamento de seu livro Relicário da Maldade, o qual na época também me despertara grande interesse. 

SINOPSE:
A senhora Augusta Dummont acabou falecendo aos setenta e oito anos. Simplesmente desabou sobre as pernas naquele fim de 1985. Deixou para trás seu velho sobrado e o respeito incondicional dos habitantes da pequena Cidade, mas também um segredo nefasto, guardado num baú de horrores escondido em seu porão.
Desavisados e curiosos, os três garotos da rua Dez acabam libertando toda a maldade que a velha havia trancafiado no cômodo secreto debaixo de sua casa, trazendo de volta do Relicário da Maldade o pior dos habitantes simplórios e caricatos do pequeno lugarejo.
Ambientado no meio dos anos 1980, Relicário da Maldade é uma homenagem aos livros, filmes, músicas e todo tipo de histórias fantásticas que moldaram a adolescência daquela década. Do frescor do rock nacional tocado nas rádios, gravados em fitas cassete quando o locutor parava de falar, às sessões de cinema com monstros pegajosos, alienígenas flutuando em bicicletas na frente da lua ou livros em que animais mortos reviviam ao serem enterrados em cemitérios indígenas.
Vamos, não tenha medo. Não ainda. Vire logo a primeira página e desça até aquele porão para olhar bem lá dentro do baú.

O bem e o mal coexistem dentro de todos nós, porém em algumas pessoas, a maldade parece ser algo quase onipresente. Agora imaginem se existisse algo capaz de extrair a maldade dos seres humanos e prende-la? Isso seria capaz de melhorar a vida daqueles que “perderam” esta maldade, bem como dos que fazem parte de seu convívio? Tal atitude pode ser considerada apenas como idônea? Mesmo pautada em boas intenções, ela não seria um ataque ao livre arbítrio que tanto prezamos? Todos estas reflexões e muitos outros questionamentos, permearam minha mente enquanto lia Relicário da Maldade.

“Era um cômodo menor que o primeiro. E tinha apenas um móvel: uma mesa velha e meio cambeta. Sobre ela, uma espécie de baú muito bonito, mas igualmente antigo, gasto, velho. Era feito de madeira, mas os detalhes eram pintados de um dourado agora fosco. A tampa era meio piramidal, terminando numa alça quadrada de metal. As laterais eram cheias de desenhos que pareciam esculpidos n madeira, mostrando imagens de pessoas orando, anjos, brasões e até espadas. Tinha alças nas laterais, mas nenhuma fechadura.” (pág. 20)

Impossível não dizer que a ideia é extremamente criativa e foi muito bem construída. A narrativa se passa em 1985 e é repleta de ótimas referências deste período. A escrita do autor é tão envolvente e bem estruturada (ele não deixa nenhuma ponta solta) que as vezes, me sentia quase vizinha dos personagens. Com o desenrolar dos acontecimentos, a narrativa nos conduz a situações repletas de terror e ação, capazes de tirar o fôlego do leitor. É muito assustador e interessante, acompanhar a maldade voltando as pessoas de origem e perceber que as vezes aquela pessoa que era muito bondosa e querida por todos, quando possuía sua personalidade completa, era capaz de atos inescrupulosos e abomináveis.

“E depois o enfiaram no baú outra vez, junto com toda aquela maldade de que sentia repulsa – a maldade alheia, os erros e vícios dos outros. Mas um entendimento que tinha era de que sua própria maldade também causava repulsa neles, nos seus companheiros de clausura.” (pág. 85)

“– E se houvesse um filtro que detectasse toda e qualquer impureza e as arrancasse do nosso íntimo? Mesmo as menores. Mesmo as mais imperceptíveis. Mesmo aquelas que nem nós consideramos maldosas. E se esse coador de maldades conseguisse limpar do nosso sangue a presença daquilo que nos faz tortos, feios, indignos?” (pág. 148)

O livro é capaz de agradar adultos e leitores mais jovens, já que é impossível não embarcar na amizade e desventuras de Daniel, Júlio e Nelson, os meninos responsáveis em liberar sem querer, a maldade e consequentemente, o terror na cidade e que me fizeram lembrar da famosa série Stranger Things. Durante a leitura fica claro que a obra é inspirada em obras inigualáveis dos anos 80, como It: A Coisa, A Profecia e Os Mortos Vivos

“O fato é que, quando encontramos o impossível, quando damos de cara com ele numa esquina escura e inóspita, o terror divertido se torna ácido e corrói a realidade com mais velocidade de que a ferrugem naquela barra de ferro. ” (pág. 171)

Enfim, passei momentos incríveis (e também assustadores) durante esta leitura que me prendeu do inicio ao fim, uma vez que não basta uma boa ideia para se ter um bom livro, a construção da narrativa é o que faz um obra ser primorosa ou não e a escrita de Jefferson Sarmento é memorável! Com este livro ele se consolida como meu autor nacional de ficção, suspense e mistério preferido! Leiam vale muito a pena!

JEFFERSON SARMENTO é formado em publicidade e propaganda, autor dos livros “Velhos segredos de morte, “Os ratos do quarto ao lado”, “Alice em silêncio” e o recente “A casa das 100 janelas”, além de ter sido um daqueles adolescentes enfiados nos corredores das bibliotecas (especialmente entre as prateleiras de histórias de horror)  e nas sessões de cinema fantásticos com filmes de vampiros, aliens colocando ovos pela garganta de astronautas e criaturas inofensivas  que se transformam em monstros assassinos quando comem depois da meia-noite.  

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