Resenha: Tombos – Eunice Maciel

Idianara Lira

“A dor, quando é tão grande que é quase impossível de se suportar, em um primeiro momento vem com anestesia. Pode ser uma dor da alma ou a de um tombo de bicicleta. É a forma como o corpo nos ajuda a lidar com o baque. Mesmo sabendo que há algo de muito errado, você segue adiante e percebe o estrago só algum tempo depois…” (pág. 36)

SINOPSE:
Quatro personagens, dois homens e duas mulheres, têm suas vidas inteiramente modificadas a partir de crises pessoais.

Helena é uma dona de casa, bonita e mimada que acreditou no casamento eterno. É obrigada a rever sua vida ao descobrir que o marido é homossexual e tem um relacionamento de muitos anos com outro homem.

Douglas é um fazendeiro, hoje rico, que nasceu numa favela, e viveu um grande amor. Agora encontra-se livre para amar novamente depois de ter rompido um casamento que não o fazia feliz.

Juliana é recém-separada, tem um emprego do qual não gosta, um ex-marido com limitações financeiras, e se relaciona mal com os filhos. Convive diariamente com Tancredo, seu chefe, que tem por ela uma paixão platônica e bem poderia fazê-la feliz. Mas ele é apático, inseguro, e nunca irá se declarar.

Há um final triste e outro feliz, resultado da forma como os personagens encaram os tombos que a vida lhes deu. 

Todos nós já levamos vários tombos da vida e provavelmente, até o fim de nossos dias, ainda seremos acometidos por outros. O que fazemos após levar um tombo e como lidamos com ele, é o foco do livro Tombos de Eunice Maciel, a autora utiliza as perspectivas pessoais de quatro personagens distintas que ao final da obra se conectam: Helena, Douglas, Juliana e Tancredo.

O enredo desperta a curiosidade do leitor e lhe transmite vários ensinamentos, principalmente o de que a apatia não é ferramenta propulsora de uma vida feliz e que esta por sinal, é uma responsabilidade que devemos ter com nós mesmos, uma vez que ser feliz é algo que depende apenas de nós e não deve estar pautado em outra pessoa.

“O véu da ignorância havia se rasgado e a realidade, nua e crua, sofrida e amarga, se apresentava cruel, rindo da minha ingenuidade, gritando para quem quisesse ouvir: ‘Quem mandou não querer enxergar?’. ” (pág. 70)

Interessante acompanhar a trajetória de todas as personagens e o final de cada uma. Helena por exemplo, só decide dar uma guinada em sua vida após levar um tombo físico (caiu de bicicleta a ponto de danificar o joelho) e emocional (descobriu que seu casamento de 25 anos, não era um mar de rosas e que o marido a traía durante muitos anos com outro homem). Após o choque inicial ela passa por um período onde deixa sua vida emocional em suspenso, enquanto cuida da saúde física, até juntar forças para resolver todos os problemas que a afligiam: concretizar o divórcio, contar para os filhos o motivo da separação e encontrar uma carreira profissional após anos de dependência financeira do marido ocasionada por ela mesma.

Paralelamente a história de Helena, conhecemos Douglas: um fazendeiro rico e bem sucedido profissionalmente e na vida privada, mas que se vê as voltas com uma insatisfação desmedida com tudo o que o cerca, até se perceber infeliz. Após ler um livro de auto ajuda, ele decide mudar toda sua vida em busca de autoconhecimento e da felicidade que não sente.

“Terrível é a ponte criada entre conforto físico e o desconforto espiritual, que se traduz numa irritação permanente, num querer algo que não se sabe o que é. Mais dinheiro? Mais espaço? Mais reconhecimento? Mais amor?” (pág. 38)

Este personagem foi um dos que mais gostei, pois Douglas veio de um universo desfavorecido mas soube aproveitar as chances que a vida lhe deu e lutar para realizar seus sonhos. Anos mais tarde ao se ver com tudo que sempre quis, ele é acometido por uma angústia avassaladora e novamente se reinventa em busca de ser feliz.

” O medo de nos questionarmos, o pavor de sofrer quando muitas vezes o sofrimento que advém do questionamento é necessário para se atingir a felicidade plena.” (pág. 236)

Referente a Juliana, esta é a personagem que praticamente não consegue se erguer do tombo, mesmo tendo o apoio de amigos e familiares, sua vida parece estar numa crescente de buraco sem fundo, onde todas suas atitudes e decisões, convergem para mais sofrimento, inclusive para o alcoolismo. Fiquei com a sensação de que sua história não estava completa, por ela não ter alcançado nenhuma evolução, como por exemplo aconteceram com Helena e Douglas. Mas a vida é assim não é? Nem todos conseguem se erguer dos tombos que a vida dá…

Por fim temos Tancredo, o personagem que em vários momentos eu queria entrar no livro e dar um tapa na cara dele! Egoísta, apático e totalmente desprovido de sentimentos, ele parece até um ser um sociopata. Nasceu em “berço esplêndido” com a vida praticamente ganha e se tornou um advogado de sucesso. Casado ele nutria uma paixão platônica por Juliana, que eu fiquei contente que não tenha passado disso, pois ele é tão desprezível que era capaz afunda-la mais no buraco em que ela se enfiou. Me julguem, mas realmente sou do time hater do Tancredo e depois que lerem o livro, me digam se é possível gostar daquela criatura! kkkkkk

EUNICE MACIEL é economista, formada pela UFRJ em 1984. Mediadora de conflitos, dedica-se na carreira como escritora desde 2009, quando lançou “Perigo na ilha”.

“Tombos” é o seu sexto livro, o primeiro direcionado ao público adulto.

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