Resenha: Um Deus que não passeia sobre as águas – Israel Pinheiro

Idianara Lira

Sou pernambucana de nascimento, mas cresci em SP. Em 2018 e 2019 eu e meu marido viajamos para o litoral sul de Pernambuco e conhecemos várias cidades e praias turísticas da região, as quais nos fisgaram com suas belezas naturais e a hospitalidade de meus conterrâneos.

Entretanto, apesar de ser uma viagem turística, também observamos um pouco das dificuldades enfrentadas pelos moradores principalmente de Porto de Galinhas, local onde ficamos hospedados. Muitos vivem de forma bem humilde, em ruas de terra e residências simples localizadas nas adjacências de grandes resorts e hotéis de luxo. Este contraste também é visível em Recife, que possui alguns locais onde casas são construídas sobre palafitas e as condições de vida são extremamente precárias e insalubres.

Durante a viagem, conversamos bastante com os moradores da região, os quais adoram um bom papo e aproveitavam para dividir conosco sua cultura e acontecimentos históricos. Através destes momentos, soubemos também que todos dependiam do turismo para ter o sustento financeiro em suas casas.

Assim, quando tive contato com o livro Um Deus que não passeia sobre as águas do autor Israel Pinheiro, automaticamente criei um vínculo com a obra, em parte por minhas origens e por conta destas viagens que me auxiliaram a desenvolver uma memória afetiva da região. O autor Israel Pinheiro, tece através de 6 contos que possuem Recife como pano de fundo, fortes críticas sociais que mostram a realidade nua e crua da população periférica, bem como suas lutas diárias pela sobrevivência em um universo capitalista, onde poucos tem vez.

SINOPSE:
Essa é uma história feita de muitas histórias. Histórias que têm como pano de fundo Recife e suas belezas de mares infinitos. Mas também de um Recife construído pelas bordas, por pessoas postas à margem. Essa é uma obra polifônica. Composta por múltiplas vozes e olhares que ora se afastam, ora se convergem, formando uma costura surpreendente. Olhares tão pesadamente humanos que nos fazem suspeitar da realidade que habitamos. Olhares que nos interrogam e nos convidam a trilhar um ousado caminho: o da crítica. Crítica ao real, crítica a representação do real, crítica aos velhos modos de pensar, sentir e olhar. Crítica capaz de nos trazer um renovo e de nos mostrar caminhos ousadamente inéditos.

” Ele cresceu no Jordão Baixo, assombrado pelos fantasmas do racismo, da baixa expectativa e da exclusão social. A infância foi muito dura. John, aliás, não se lembrava de ter sido criança, não se lembrava de ter assistido a desenhos, de ter brinquedos, de ter brincado na rua com outras crianças, de ter acreditado em Papai Noel, de rezar antes de dormir, de ter comido doces, de ter um super-herói favorito. ” (trecho extraído da pág. 40)

Através de uma escrita impactante e bem elaborada que é tudo menos enfadonha, o autor retrata os problemas socioeconômicos vividos diariamente pelos moradores das periferias, dando-lhes voz e externando seus sentimentos e pensamentos. Desta forma, os personagens criados por Israel Pinheiro, apesar de fictícios, podem facilmente ser encontrados ou inseridos em qualquer outra cidade do Brasil.

Temas como religião e política também são abordados e vemos que a maldade e a bondade reside em todo ser humano, sendo uma mais forte do que a outra, de acordo com a necessidade de subsistência. Temos ainda as mais variadas formas de violência, imoralidade, preconceito e hipocrisia, traços que permeiam alguns personagens ou situações e que por vezes me causaram profundas reflexões ou revolta.

“A dignidade de uma pessoa não pode ser objeto de negociação ou barganha. Ninguém pode cometer uma violência dessa contra si mesmo e se olhar no espelho novamente.” (trecho extraído da pág. 62)

Um Deus que não passeia sobre as águas, é uma obra profunda e que deve ser lida com muita atenção e bastante pensamento crítico. Adorei também os termos regionais que o autor utiliza como por exemplo a palavra “biliro” que cresci ouvindo minha mãe dizer e que nada mais é do que um grampo de prender cabelo, ou a expressão “alma sebosa” que representa uma pessoa má ou ruim.

Enfim, parabenizo Israel Pinheiro que magistralmente criou um livro no qual as narrativas são além de instigantes, extremamente inteligentes e que tal obra, com certeza nunca será motivo de vergonha (ou opróbrio, palavra que aprendi no livro e adorei!) para o autor. Leiam, vale muito a pena!

Cristão de espírito moderno, nascido em 1984, pai de Daniel. O escritor pernambucano Israel Pinheiro é autor do livro “As Histórias que Contei”.

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