Segunda Poética: Temporal – Lya Luft
Temporal
O tempo rasteja no telhado
depois de se fazerem filhos e dívidas,
e as dúvidas brotarem nas frestas
da porta.
O tempo trança bordados no rosto
e manchas na mão,
mas a gente não muda: ainda chove
no escuro e um pássaro começa a cantar,
um amigo morre antes das quarenta anos,
e nossa mãe, com quase cem, nem está
nem se ausenta.
Como tudo o mais,
o tempo não tem explicação:
corrói e transfigura, expande
ou empobrece, conforme a escolha
de cada um.
(Eu, com medo e susto,
escolho a multiplicação)
(Lya Luft)
LYA LUFT nasceu em 15 de setembro de 1938, em Santa Cruz do Sul, Rio Grande do Sul. Formou-se em letras anglo-germânicas e com mestrados em Literatura Brasileira e Linguística Aplicada. Autora de diversas grandes obras, recebeu em 2013, o Prêmio Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras, com a obra O Tigre na Sombra. Trabalhou desde os 20 anos como tradutora de alemão e inglês, e já converteu para o português obras de autores consagrados, como Virginia Woolf, Günter Grass, Thomas Mann e Doris Lessing, além de ter recebido o prêmio União Latina de melhor tradução técnica e científica em 2001 pela tradução de Lete: Arte e crítica do esquecimento, de Harald Weinrich. Assinou de 2004 até 2021, a coluna Ponto de vista, da revista Veja. Faleceu em casa no dia 30 de dezembro de 2021.