Resenha: Filha do Fogo – Elizandra Souza

Idianara Lira

Participei recentemente da leitura coletiva do livro Filha do Fogo, da autora nacional Elizandra Souza, em parceria com a Editora Global, e foi uma experiência verdadeiramente enriquecedora. Confesso que, inicialmente, senti certo receio de não conseguir compreender plenamente os contos, dado meu escasso conhecimento sobre a religiosidade de matriz africana. Contudo, a sensibilidade da autora em retratar a cultura periférica e a literatura negra feminina através de narrativas ficcionais inspiradas em vivências reais com diversas mulheres ao longo de sua vida, é algo digno de respeito e muita admiração.

SINOPSE:
Filha do fogo – 12 contos de amor e cura, de Elizandra Souza, oferta aos leitores uma incursão por histórias de força incomum, protagonizadas em sua maioria por vozes femininas negras, como a autora. Mulheres que manifestam os desafios, as decepções e as conquistas que permeiam o percurso daquelas que afrontam os códigos consolidados na sociedade atual. Uma sociedade ainda tão hierarquizada e que permanece se recusando a enxergar a viabilidade de modos de viver mais libertários, igualitários e humanos nas relações cotidianas.

Narrar é um fenômeno transformador. Seja para aquele que toma para si o desafio de conceber suas histórias, como para aquele que as recebe, o universo de vivências que compõe uma narrativa deixa marcas que ficam para sempre. Pode-se dizer, sem sombra de dúvidas, que os contos integrantes deste livro de Elizandra Souza possuem este traço singular das narrativas construídas com intensidade. É possível intuir os significados delas para o processo de autoconhecimento da autora como indiciar os impactos que elas terão nas vidas de quem se dedicar a nelas mergulhar.

Peguei as lenhas no quintal, coloquei-as dentro do fogão, chocalhei o dendê e acendi pela primeira vez o fogão à lenha. Sozinha! Eu já contava sete anos, me vi refletida nas chamas da imagem de vozinha e ali renasci filha do fogo… (pág. 23)

Sem grandes pretensões, mergulhei na leitura de Filha do Fogo e, em poucas horas, absorvi os doze contos e a emotiva e, por vezes, ancestral força que emana de cada um deles. Em especial, destaco o conto “A Primeira Vez que Fui ao Céu”, pois me senti profundamente conectada à narrativa que retrata a história da menina Dara, que tinha um balanço pendurado em um cajueiro na fazenda do avô, no interior da Bahia. Foi surpreendente como esse conto conseguiu me arrancar lágrimas e despertar uma nostalgia há muito adormecida, de quando vivi com meus avós paternos em Pernambuco.

Durante minha infância, meu saudoso avô costumava montar um balanço para mim em uma grande árvore da espécie Flamboyant localizada na frente do sítio deles. Apesar das reclamações de minha avó, que sempre dizia que eu acabaria me machucando, meu avô, sempre a esperava sair de perto para montar o balanço para mim e ríamos juntos, em uma cumplicidade entre neta e avô que o tempo jamais apaga.

Fechei meus olhos, sentindo o vaivém… O cajueiro soltava as folhas como se estivesse emocionado… O vento acariciava o meu rosto… Me sentia completa e livre no meu balanço. Eu estava no céu! (pág. 30)

Enfim, os contos presentes neste livro de Elizandra Souza possuem muita intensidade, são narrativas protagonizadas principalmente, por vozes femininas negras, como a própria autora e expressam os desafios, as decepções e as conquistas que permeiam a jornada daqueles que desafiam os códigos estabelecidos na sociedade contemporânea.

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ELIZANDRA SOUZA é escritora, poeta, editora, jornalista e técnica em Comunicação Visual. Nasceu em São Paulo e passou a infância em Nova Soure (BA). Há 22 anos é ativista cultural, com ênfase na difusão do jornalismo cultural da periferia e da Literatura Negra Feminina. Integrante do Sarau das Pretas desde 2016. É autora dos livros: Quem pode acalmar esse redemoinho de ser mulher preta (2021), Águas da Cabaça (2012) e Punga, de coautoria de Akins Kintê (2007). Editora dos livros do Coletivo Mjiba: Pretextos de Mulheres Negras (2013), Terra Fértil (2014) e Literatura Negra Feminina – Poemas de Sobre (Vivência) (2021). Coorganizadora de Narrativas Pretas – Antologia Poética do Sarau das Pretas (2020), Publica, Preta! – Manual de Publicação Independente (2022) e Orikis – Sarau das Pretas (2023).

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